Desde o dia 1.º de janeiro, está em vigor uma instrução normativa da Receita Federal que amplia significativamente o monitoramento de movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas no Brasil. Agora, as operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento que movimentam recursos financeiros deverão enviar informações fornecidas sobre transações de contribuintes para o sistema e-Financeira. Os dados serão reportados semestralmente caso os valores superem R$ 5 mil por mês, no caso de pessoas físicas, ou R$ 15 mil, para pessoas jurídicas.
Essa mudança, prevista na Instrução Normativa 2.219/24, publicada em setembro do ano passado, afeta não apenas bancos tradicionais, mas também aplicativos de pagamento, bancos digitais e empresas de comércio que atuem com crédito. A justificativa da Receita Federal é clara: reforçar a evasão fiscal e fortalecer os compromissos internacionais do Brasil em transparência financeira. No entanto, a implementação dessa nova regra traz à tona preocupações que vão além da arrecadação de impostos.
Impactos na transparência e no sigilo fiscal
Embora a transparência nas operações financeiras seja essencial para um sistema tributário eficiente e justo, é evidente que questiona os limites entre o controle estatal e o direito à privacidade dos cidadãos e empresas. A obrigatoriedade de envio desses dados amplia ainda mais o já robusto sistema de monitoramento do Estado, colocando o Brasil em um patamar de vigilância financeira que pode gerar desconforto, especialmente para pequenos empreendedores e indivíduos cujas movimentações não necessariamente refletem renda tributável.
Cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) validou recentemente, por votação, uma norma do Confaz que obriga a entrega de informações financeiras de transações realizadas via Pix e cartões de crédito e débito para os estados. Essa decisão fortalece o controle sobre a arrecadação do ICMS, mas também reabre o debate sobre a garantia do sigilo bancário no país.
Para Natalia Stefanie, Advogada especialista em Direito Tributário e Empresarial, Socia Fundadora do Escritorio Natalia Stefanie Advogados Associados “Trata-se de um equilíbrio necessário entre controle e liberdade”
“Como advogada e cidadã, considero essencial que o combate à sonegação fiscal seja tratado como uma prioridade para equilibrar as contas públicas e promover a justiça tributária. No entanto, preocupa-me que medidas como essa possam abrir precedentes perigosos em termos de privacidade e liberdade financeira. É necessário garantir que esse tipo de controle seja implementado com critérios rigorosos de segurança de dados e respeito ao sigilo fiscal, evitando abusos ou constrangimentos indevidos.”
Além disso, a Receita Federal deverá se atentar para a forma como essas informações serão utilizadas, garantindo que os dados coletados não sejam mal interpretados ou usados para fiscalizar além do necessário. Por exemplo, transferências recorrentes entre familiares ou transações pontuais acima do limite podem ser alvo de questionamentos injustificados, gerando burocracia e custos para os contribuintes.
A sociedade precisa acompanhar de perto o impacto dessa nova regra. Transparência, sim; controle absoluto, não. É fundamental que o Estado saiba dosar suas ferramentas de fiscalização sem comprometer os direitos individuais. Afinal, um sistema tributário equilibrado deve ser justo, não apenas na arrecadação, mas também no respeito à privacidade dos cidadãos.
Sobre a autora
Sócia Proprietária do escritório Natalia Stefanie Advogados Associados, formada pela Universidade São Francisco em 2020, especializada em Contratos Jurídicos pelaHarvard Law School (Contract Law: From Trust to Promise to Contract), especializada em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional, Especializou-se em Tributação das Pequenas Empresas (USP), Pós Graduada em Direito Tributário e Empresarial, atuante no consultivo em Direito Tributário e Empresarial. Membro da Associação Brasileira pela Ética no Tributário (ABETRI).