Médicos de Extrema-MG são acusados de erro em diagnóstico e falta de transparência; caso é levado ao Ministério Público de Minas Gerais

Foto: Google Maps

Reportagem por: Iago Yoshimi Seo

Imaginem um capítulo doloroso da vida sendo reaberto abruptamente com uma ligação no celular. A morte de um ente querido sendo revivido como uma cena que seria facilmente assistido em um filme de cinema. Esse é o caso do falecido Dr. Roberto De Cunto e seu filho, Bruno Miotto de Cunto, de Extrema-MG.

Em meados de 2019, o Dr. Roberto de Cunto foi internado no Hospital e Maternidade São Lucas, em Extrema-MG, e, posteriormente, transferido para a capital paulista. O médico faleceu, a princípio, em decorrência de um acidente vascular encefálico (AVE) em São Paulo. Contudo, o caso se desdobrou em uma verdadeira trama complexa, quando o filho do médico recebeu uma ligação no celular anos depois da morte do pai. 

Segundo Bruno, em agosto de 2023 ele foi informado por terceiros (ligados aos investigados) de que a morte do pai foi, supostamente, em decorrência de um tratamento inadequado feito pelo hospital. Além disso, conforme narrado na defesa de Bruno, “a ordem para esconder o erro partiu do Dr. Luiz Carlos Bergamin. Ele pressionou diversas pessoas…”. Bruno conta que o  caso em si corria em segredo de justiça na vara cível, e passou a ser público com a abertura de um inquérito criminal. O filho do médico ainda atuou no hospital particular que hoje é alvo do processo.

Segundo Bruno, o diagnóstico inicial do pai indicava um acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico, mas, segundo uma perícia posterior, o Dr. Roberto sofria na verdade de um AVE hemorrágico. O tratamento administrado, utilizando trombolíticos, são contra-indicações para condição em que Roberto estava. Consequentemente, segundo a perícia médica do Instituto Periciar, a administração incorreta do tratamento acabou por agravar o quadro.

Toda repercussão tomou conta da cidade e da região após diversas notas de esclarecimento serem postadas pelo hospital, respondidas por Bruno de Cunto e outros seguidores. “A pessoa disse para eu procurar pela prova de ressonância de entrada, e que lá estaria a verdadeira causa da morte do seu pai”, disse Bruno em entrevista.

Suposta tentativa de ‘atrasar a entrega’

Indignado, o filho do médico abriu um processo contra os envolvidos. Ao longo do caso, o hospital particular e a empresa MAGSUL (responsável pelas ressonâncias magnéticas e imagens), passaram a integrar o processo após Bruno requerer os laudos citados. A denúncia foi seguida por uma suposta tentativa deliberada de delongar a liberação das informações, atrasando a entrega dos laudos à justiça. 

Após o falecimento do pai, Bruno evidenciou na defesa que membros da equipe médica, incluindo Dr. Luiz Carlos Bergamin e a empresa de imagens MAGSUL, estavam cientes do erro, mas teriam optado “esconder a verdade, e deixar de entregar os laudos aos familiares”.

Bruno de Cunto relatou ainda que foi pressionado, e até passou por uma suposta tentativa de suborno para interromper o processo. Segundo Bruno, um terceiro ligado aos investigados, entraram em contato diretamente com ele. A situação foi reportada aos advogados. O jornal teve acesso aos áudios enviados à parte em fevereiro deste ano. Os áudios foram transcritos, passados por perícia, lavrados em ata e anexados no processo. 

Segundo os áudios, representantes dos denunciados, teriam procurado o filho do paciente para fazer um “acordo” e utilizar a MAGSUL para “tirar o foco do hospital”. A tentativa de “acordar” a situação veio seguido de um pedido de “tirar o Fabrício”, e que ele “não era o responsável no momento lá da situação”. Fabrício Sanchez Bergamin é filho de Luiz Carlos Bergamin e um dos envolvidos no processo. 

Tentativa de acessar os laudos médicos

Bruno solicitou os laudos e prontuários médicos à MAGSUL e ao Hospital São Lucas, mas enfrentou “resistência”. Em diversas vezes, ele veio tentando acesso aos laudos desde agosto de 2023. A MAGSUL, empresa terceirizada responsável pela ressonância magnética, chegou a fornecer apenas as imagens dos exames, sem os laudos em si. No mesmo sentido, o Hospital São Lucas não chegou a fornecer os documentos.

Bruno tentou novamente acessar os laudos médicos em 21 de setembro de 2023 por WhatsApp. Como resposta, ele foi informado por um dos envolvidos que o laudo não foi feito antes, e que “fica difícil pedir à um colega pra fazer no momento”. Ainda nas mensagens, o indivíduo diz que as imagens “que são mais importantes, já foram entregues”, mesmo que sem o laudo.

A ação pode ser entendida como um descumprimento das normas do Conselho Regional de Medicina (CRM) e do Conselho Federal de Medicina (CFM). Segundo ele, o Hospital São Lucas também não atendeu adequadamente às solicitações.

Segundo o artigo 88 do Código de Ética Médica, é vedada a prática de negar o prontuário médico ao paciente: “Art. 88. Negar ao paciente ou, na sua impossibilidade, a seu representante legal, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.”

Investigação criminal e problemas de documentação

A situação chamou a atenção do Ministério Público de Minas Gerais, que aceitou a denúncia protocolada por Bruno de Cunto por meio de uma Notícia de Fato. Ainda nesse sentido, o denunciante reforçou que uma análise técnica feita pelo Instituto Periciar confirmou que houve erro médico no tratamento de Dr. Roberto. 

A promotoria de Justiça de Minas Gerais solicitou os laudos e prontuários a todas as empresas envolvidas no caso. Segundo a denúncia, como resposta, a justiça recebeu apenas os prontuários do Hospital São Lucas, sem os laudos, além de deixar de informar outros exames do paciente. Enquanto isso, a priori, a empresa MAGSUL sequer entregou os documentos. As imagens dos pedidos foram divulgadas por Bruno em um vídeo compartilhado nas redes sociais:

Pedidos da Promotoria de Justiça de Minas Gerais (Imagem: Reprodução/Redes Sociais)

Repercussão pública e outros casos

Em resposta à crescente exposição, a empresa emitiu uma nota nas redes sociais. Ainda assim, segundo Bruno, anteriormente o perfil foi fechado, dias após enviar uma notificação extrajudicial. Até a realização desta reportagem, o perfil do hospital no Instagram encontrava-se aberto para acesso público. 

A denúncia pública, realizada por Sheila Rodrigues, amiga da família de Bruno, aumentou a pressão sobre o caso. Sheila gravou uma live nas redes sociais indignada sobre a situação, levantando maiores repercussões públicas sobre o processo.

Além disso, outras denúncias ao HMSL vieram à tona, incluindo sobre a morte de uma criança chamada Hadassah, devido a suposta negligência.

Cicero Joaquim, pai da Hadassah, denunciou publicamente a morte da filha (imagem: Reprodução/Instagram)

Defesa dos envolvidos

Até o fechamento desta matéria, a redação não obteve retorno da defesa dos envolvidos, ficando aqui aberto para futuras atualizações. Procurada, a promotoria do caso também não respondeu às tentativas de contato, ficando aberto para futuras atualizações.

Recentemente nas redes sociais, Bruno de Cunto divulgou alguns documentos do processo, como o inquérito policial. Além disso, ele narra sobre as responsabilizações do caso. “As empresas são responsáveis. Se uma empresa erra, quem assume a culpa é o responsável e o dono. Estão tentando esconder o Fabrício, e eu não tô nem aí pra política. Se não for ele, que pague quem seja!”, disse Bruno em um vídeo divulgado em seu perfil no Instagram.

Anteriormente, o hospital publicou uma nota sobre o caso do Dr. Roberto: “A Direção Clínica e Técnica do Hospital São Lucas tomou conhecimento através de citação judicial e notícias veiculadas ao público acerca de possível erro médico envolvendo o atendimento e cuidado prestado ao paciente Dr Roberto de Cunto.

Outrossim, cabe esclarecer que todo e qualquer denúncia formal deve ser investigada através da constituição de uma Comissão de Sindicância estabelecida por esta diretoria, com o objetivo de colher todas as informações, documentos, prontuário, organizados sob a forma um documento final, que será encaminhado ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais para a deliberação final.

Cumpre esclarecer que o Hospital São Lucas tomará todas as medidas para cumprir todo o rito legal de apuração com total lisura e transparência junto aos órgãos competentes.

Extrema 16 de Agosto de 2024.

Enis Donizetti Silva

Diretor Clínico e Técnico do Hospital São Lucas”

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